Promessa


Apresento a você, pela primeira vez,
Os meus segredos.
Não são muitos, mas todos eles - sem exceção -
Se revelam em outras cores, ângulos e formas.
Só não vou lhe revelar 
Os meus medos,
Pois esses nem mesmo eu lembro onde os escondi.
Mas fique à vontade para brincar.
Prometo que a pressa e a ansiedade, 
Eu não as deixo entrar.

Helio Jenné

Desvario

Foto: www.emilivanov.com



É tudo tão amplo e ao mesmo tempo reduzido. O infinito termina em nós e renasce numa outra dimensão, diferente daquelas que pensamos conhecer. A verdade é que  não conhecemos nada e de muito pouco sabemos... Acho que às vezes nem conhecemos o que deveríamos saber... e vamos nos contentando em com qualquer coisa. Há muito espaço mas está tudo preenchido mesmo que por vazios ou bobagens. Quem disse que tudo tem que ser útil? Nem nossa utilidade é definida... e se ao invés de construtores não passamos de predadores? Há tanto e nada ao mesmo tempo o que faz com que inúmeras possibilidades se apresentem. Somos capazes de reconhecê-las ou ao menos temos senso no momento de optar? A gente está por aí, vagando sem ter amanhã certeiro, vagando pensando se auto direcionar... vagando ao sabor do desconhecido, fingindo não perceber a impermanência, ou pelo menos tentando não se preocupar com ela. Mas não há quem diga que somos eternos no todo? Mas quem disse que somos? Não seria mais lógico dizer que estamos?...

Nina Victor

Um cara inteiro


Para ele, não passavam de manequins,
Corpos sem alma e sem vida,
Dos quais ele se servia sem prestar atenção.
Por anos, passou pelas mulheres 
Como quem passeia por uma rua de vitrines.
Desconhecia seus nomes, rostos ou personalidades.
Usava cada uma delas de acordo 
Com o seu desejo momentâneo e passageiro.
Mas um dia ele foi fisgado e, 
desde então, após a epifania, 
Passou a ser um cara inteiro.

Helio Jenné



Incertezas

Foto: Julie A. Fukuda


A criança nem sabe,
mas ao observar a grandiosidade da árvore
ela instintivamente pensa se algum dia
será grande e forte daquele jeito...
Contudo, os passos e as vias da vida
não pertencem a cada um...
São surpresas que imaginamos controlar
dia a dia sem saber aonde vão dar.

Nina Victor

Transtorno de Processamento Sensorial

foto: fred muram
Ela é única - entre cada 20.
Diferenciada por suas preferências.
Sua língua são seus olhos e mãos.
Foi uma criança neurotípica e cresceu
com o Transtorno de Processamento Sensorial.
Isto lhe rendeu na escola o apelido de "Linguinha".
Hoje, mais uma vez, após lamber seu namorado ao sono,
Continuou a experimentar os gostos do ambiente.
E lambeu cada centímetro do quarto.
Lambeu até não mais poder lamber.
Sua língua secou e ela teve de beber
E bebeu.

Helio Jenné


Amanhã



Naquela noite,  ele reuniu-se com amigos num inferninho da Prado Júnior. E, oh boy... foi uma noite sem limites de pós e fumacê, peitos e aromas, gozos precipitados e gargalhadas, promessas de amizade eterna e tropeços por entre as mesas. Foi uma comemoração como se não houvesse amanhã. E na verdade, não haveria. No dia seguinte ele estaria casado.

Nina Victor

Cartas Mentais

Completamente tresloucado
Fui mentalmente abduzido
E senti meu corpo aprisionado
Por sua malha verborrágica.

Enredado por u'a teia de arame
Não consegui descansar minh' alma ferida,
Mas ainda assim você continuou a embaralhar 
As minhas cartas mentais.

Terminada a partida,
O que de mim restou
- a cabeça machucada e vazia -
Não consegue mais raciocinar,
Mas ainda olha com imenso pesar
O desenrolar dessa viagem
Que por enquanto, é só de ida.

Helio Jenné




Balanço



Depois de tantos anos de vida, ao sentir a proximidade do fim, 
ele resolveu fazer um balanço daquilo que havia vivido 
e da forma como viveu... suas ideias primordiais e os resultados atingidos, 
juntou aquilo que acertou com as coisas que foram pro ralo. 
Ponderou coerências e impetuosidades, desejos e desprezos,
contas pagas e calotes, ajudas dadas e recebidas. 
Avaliou o quanto amou e o tanto de amor que recebeu,
o tanto que maltratou seu corpo e quanto tranco o corpo aguentou. 
Lembrou dos livros que leu, das preces que fez, das blasfêmias que proferiu. 
Pensou nas mulheres que abandonou e no tanto de goró que bebeu por outras. 
Releu os poemas escritos, reviu postais e cartas. 
E contabilizando cada suspiro e gargalhada, cada susto e cada lágrima, 
cada conquista e fracasso e os meios que o levaram até isso... 
Reavaliando tudo e dando forma à vida 
ele percebeu que apesar das diversas mancadas, no fundo era um cara bom. 
 Num sorriso brando tomou seu último fôlego e descansou em paz.

Nina Victor

Câmara Desintoxicante da Reflexão


Fugir dos nossos algozes 
Significa preservar a vida.
A cada momento do difícil escape 
Nos encontramos -- mesmo sem saber -- mais perto da felicidade. 
Antes porém, devemos passar pela Câmara Desintoxicante da Reflexão, 
Onde deixaremos todas as dores e angústias do passado 
Na fogueira da eterna chama ardente para, finalmente
Renascer com um novo estado de espírito,
Preparado para o novo dia.

Helio Jenné

Riley-Day



Depressão com Riley-Day dá nisso.
E você nem vai se incomodar.
Você não sente a dor me causa.
Eu sinto.
Cansei.
Você queria fazer picadinho de mim?
Taí.
Faço eu.

Nina Victor

Ecos do passado


Volto exausto do trabalho. Depois de um longo dia de suor e erros e após ter enfrentado um trânsito infernal e, ainda por cima um elevador quebrado, finalmente chego ensopado ao meu oásis. Mas o cenário está incompleto, vazio. Você não está lá, para me receber com seu sorriso e seu carinho.
Desde o dia em que decidiu se mudar, não enchi mais a banheira em que desfrutávamos aqueles demorados gostosos e confidentes banhos, onde as horas passavam preguiçosas. Tampouco voltei a colocar na vitrola aquele disco que você adorava e costumava embalar o nosso êxtase.
Hoje tudo o que me resta é a visão do mármore frio e da paisagem distante, como lembranças um tanto desfocada dos nossos dias de puro e completo nirvana.

Helio Jenné

Futuro do Presente



Ainda lembro um certo dia... Nós, melhores amigas, e você me contando um segredo. Depois daquele dia nossa convivência nublou. Passei a evitar as brincadeiras e aos poucos fui me afastando. Até que nos perdemos de vista. Muitos anos se passaram. Eu e um casamento desfeito, você e suas longas bebedeiras. Mais tempo se passou... quantos anos? Vinte, trinta, não sei. Mas nós nos reencontramos na reunião de despedida de um amigo comum de longa data que iria morar fora. Eu mudada, você diferente. E quem diria que agora juntas seguimos em frente...

Nina Victor


Reduzir, Reutilizar e Reciclar

Foto: José Eduardo Boaventura
Sorrio triste ao pensar
Que o seu lixo
Pode me alimentar.
Que mundo cão, insensato, 
Cruel e desumano é esse,
Em que o consumo exagerado 
E sem aparente razão
Nos leva a todos 
Por uma mesma estrada 
de erros, culpas e indefinição,
Onde alguns enganam e 
muitos são enganados.
Essa estrada tem uma só saída:
Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

Helio Jenné




Do sonho e da Esperança



Dentre as inúmeras crueldades que se pode fazer contra um ser humano,
talvez a pior delas seja roubar-lhe a oportunidade de sonhar.
Nossas referências, se originam em nossas vivências.
Se o bem não é oferecido, se o conforto é desconhecido,
se a sensação de segurança e o abrigo necessário são subtraídos,
como conhecer e dominar a arte do sonho acordado?
Como ter lucidez para desejar algo de bom se o bom foi suprimido? 
Para os pequenos que não podem sonhar resta a esperança,
pois ela não precisa de forma definida para existir
e lança seu abraço amigo sobre quem necessita mesmo que não se saiba,
mesmo desacreditada, mesmo repelida...
Pois há esperança enquanto há vida!

Nina Victor



Hora de caminhar


Sigo por caminhos estranhos,
Escuros e sem vida, 
Mas sem medo.
Agora eu sei onde quero chegar.
A estrada é longa, o caminho é deserto,
Nada por perto mas, mais ligado e mais esperto,
Sigo em frente.
O tempo das lamentações acabou.
A hora agora é de caminhar, sem parar
E sem olhar para trás.

Helio Jenné